O que a Parada LGBTI+ representa?

Vitor Correia
6 min readAug 22, 2023

Publicada em 2 de junho de 2018

Acadêmicos e defensores da causa discutem os primórdios, as transformações e para onde o evento estão se encaminhando

A Parada do Orgulho LGBTI+ chega a sua 22ª edição no próximo domingo (03 de junho) com o tema “Eleições” e o slogan “Poder para LGBTI+, nosso voto, nossa voz”. A marcha tem 18 trios programados para cruzar a Avenida Paulista. A justificativa para a escolha da luta de 2018 foi escrita em formato de manifesto pela Associação da Parada de Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais de São Paulo (APOGLBT-SP), ONG responsável pela organização do evento.

No manifesto, os organizadores da Parada debatem sobre como a comunidade representa 10% da população brasileira e, mesmo assim, tem baixa representatividade na política do País. Eles defendem que o empoderamento e a busca por mudanças nas bancadas virá por meio do voto, direito de todos, nesse ano de eleição. O texto preparado termina dizendo que “poder para LGBTI+ é um projeto de construção de um novo poder mais humano, inclusivo, justo e representativo de todas e todos os cidadãos, independentemente de gênero, orientação sexual, raça, classe, lugar de origem, mobilidade, entre tantos outros recortes”.

A Parada de São Paulo começou em meados de 1996, quando aproximadamente 300 pessoas fizeram um ato público em prol da diversidade na Praça Roosevelt, no Centro da capital paulista. Ela se concretizaria como a primeira Parada do Orgulho GLT apenas em 28 de junho de 1997. Dessa vez, o palco foi a Avenida Paulista e teve a participação de cerca de duas mil pessoas que se inspiravam nos movimentos de militância da Europa e dos Estados Unidos. Atualmente, ela é considerada como uma das maiores do mundo. Seu crescimento é visível a cada ano: em 2017, chegou a reunir três milhões de apoiadores da causa, segundo dados divulgados pelos organizadores do evento.

Seu nome passou por diversas alterações. Além do primeiro, se tornou Parada do Orgulho Gay, GLBT, LGBT, até se fixar com a sigla LGBTI+ em 2018, que inclui a intersexualidade e abrange outras sexualidades e gêneros.

Há hoje um forte embate em relação à visão da Parada como luta ou festa. Segundo uma pesquisa de perfil de público da Parada, divulgada pelo Observatório de Turismo e Eventos da SPTuris, 51,3% dos entrevistados foram ao evento para curti-lo, enquanto 29,5%, para lutar por seus direitos. Miguel Perez, membro da Frente LGBT+ Casperiana, conta que a Parada não é composta apenas por sua função política, mas é também um espaço de expressão. “Existem pessoas que vão para festejar e não há problema nisso. Temos que considerar que alguns dos passeatas não podem se manifestar publicamente nos outros dias, porque podem sofrer alguma violência e até morrer ao fazê-lo”, reflete Perez.

Diante da discussão sobre a perda de valor do evento, algumas pessoas chegam a dizer que ele se tornou um “carnaval fora de época”. Yuri Fraccaroli, mestrando em Psicologia Social na Universidade de São Paulo (USP), opina que a Parada por si só já é política tendo em vista que todos os eventos da cidade são masculinos cis-heterossexistas. Já Maira Reis, jornalista, militante e palestrante da causa, vê certa incerteza nas reclamações do público em geral. “Todo ano é a mesma coisa. As pessoas não conseguem definir exatamente o que as incomodam”, aponta. Para ela, no fundo, é mais uma forma de combater a LGBTfobia pelo fato de a avenida mais famosa de São Paulo estar pintada das cores do arco-íris.

A primeira presidente mulher e lésbica da APOGLBT, Cláudia Regina, explicou em uma transmissão ao vivo no Facebook que a Parada, se fosse organizada pela Prefeitura em vez de ser preparada por uma ONG, perderia seu direcionamento e o tom de manifestação que possui Mesmo assim, Regina concordou que outros eventos, como o Ciclo de Debates e a Feira Cultural LGBT+, promovidos durante o ano pela associação ativam mais a militância do que a Parada. No mesmo final de semana, acontecem outros eventos relacionados à causa LGBT, como a 1ª Marcha do Orgulho Trans de São Paulo e a 16ª Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais, para todas as pessoas que compõem as letras do acrônimo se sentirem incluídas durante a luta.

Por ser realizada por uma ONG pequena, a Parada conta com o patrocínio de grandes marcas, como Skol e Uber, e também o apoio institucional do Governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo. São eles que financiam e trazem artistas de grande nome para os trios elétricos que percorrem a avenida.

Heitor Werneck, produtor artístico da 22ª Parada, apontou que ela é extremamente necessária para trazer à tona questões importantes relacionadas à causa. Em 2016, por exemplo, o tema foi “Lei de identidade de gênero, já! — Todas as pessoas juntas contra a transfobia!”, a primeira vez que os indivíduos trans estiveram em foco no evento. “A Parada está cada vez mais entendendo seu papel no calendário político”, Werneck comenta. Ele também se pronunciou sobre a Parada se tornar cada vez mais inclusiva. Esse ano, além da presença do I e do + na sigla, o evento terá balé de cadeirantes e intérpretes de libras.

O jornalista e doutor em Comunicação Vicente Darde lembra que as discussões que o evento promove devem perdurar durante o ano todo, não apenas no dia em que ela ocorre. Uma pesquisa feita em 2016 pelo Observatório de Turismo e Eventos de São Paulo mostra que 44,2% do público da Parada LGBTI+ não mora na cidade. Alguns nem mesmo no Brasil. Isso significa que há um grande lucro de hotéis e de turismo na cidade quando o evento ocorre. “Por mais que o movimento queira levantar a bandeira e as discussões dos direitos LGBTs, sempre vai aparecer o viés do comércio, do turismo, da diversão, da festa, do desfile, de carros alegóricos e do carnaval fora de época. A questão é como a mídia e a sociedade trata a Parada LGBT”, reforça Darde.

A principal função do evento, apesar das mudanças durante sua história, continua sendo a de dar visibilidade política para as diversas identidades e orientações e fortalecer a voz da comunidade na busca por direitos iguais. Segundo Alessandre Silva, professor participante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo da USP, a Parada é importante para romper com a lógica heteronormativa implantada na sociedade de forma massiva e que interfere na vivência de minorias sociais.

Essa tradição criou um estereótipo negativo por parte de quem está fora desses conformes. Por isso, o evento é visto de forma vulgar e despretensiosa por algumas pessoas. Esse preconceito é reforçado ainda mais com a perspectiva quase caricaturesca dada aos grupos queer pelos veículos de comunicação. “Falta a mídia se abrir para a diversidade e mostrar mais, investigar melhor as questões políticas que regem a Parada e as ações dos grupos organizados durante o período entre marchas”, propõe Silva.

O Brasil possui uma das maiores Paradas do Orgulho LGBTI+, mas ainda conserva o título de país que mais mata LGBTs no mundo: um a cada 19 horas, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB). Silva costura seu raciocínio denunciando os tempos atuais do País, com a criminalização dos debates de gênero e tratamento psicológico para homossexuais. Isso demonstra que o caminho da luta por direitos ainda não acabou e faltam muitos passos além dos dados durante a Parada, necessária e estratégica nesses aspectos. “Precisamos mostrar que existimos e que, mesmo diante de várias adversidades, não vamos nos calar. Uma vez que o “armário” seja quebrado em pedacinhos, não há como nos colocar lá de novo”, conclui a militante Maira Reis.

Matéria realizada para a Revista Esquinas, revista digital laboratório da Faculdade Cásper Líbero

Por: Susana Terao e Vitor Correia

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